Antes de mais, urge pedir
desculpas pela demora deste post. A demora responde o tempo que estive a reflectir
sobre um tema para abordar aqui e, depois de dias a reflectir, aparece-me, como
se fosse inspiração divina, um tema no meu colo. Porém, como seguinte do método
racional, precisei de esperar até que a questão deixasse se ser tão
sentimental, para que pudesse ser mais fácil de falar e de desconstruir.
Falo, claro, da questão do
Martim, jovem personagem que retracta um discurso velho que, como muitas
pessoas que vão à medicina plástica, soube, agora, induzir a si próprio um
pelling para estar mais cool e mais jovem. Digo que o discurso é velho, na
medida que o empreendedorismo, palavra oca em significado nalgumas bocas, que
usam e abusam simplesmente para agradar as massas, é algo que começa em outro
tempo e tem agora repercussões quer nas pipocas, quer agora com o puto Martim.
Ora, como afirmei, analisemos a
questão: um miúdo, na casa dos 16 anos, enveredou por um caminho de criação de
t-shirts que são, afirma, exclusivamente, desde a criação até à fabricação,
portuguesas. Na verificação se tal afirmação era correta, Raquel Varela,
historiadora e oradora no programa, acaba por perguntar se sabia que os que
manufacturavam as t-shirts, referindo-se à população asiática, não ganhavam
para a sua própria sobrevivência. Ao que Martim responde que quem manufacturava
as t-shirts eram portugueses que ganhavam o salário mínimo. Em forma de remate,
Raquel Varela responde que o salário mínimo não chega para as despesas normais
de um cidadão português. E é aí que Martim tem a sua célebre frase: mais vale o
ordenado mínimo do que nada.
Esta afirmação, é a redução de
tudo o que andamos a assistir com os programas “Impulso Jovem” e o tal de
ganhe-sem-euros-a-vender-pipocas. Não sabemos, pelo menos eu pessoalmente não
sei, qual é a opinião do Martim sobre o Salário Mínimo de pouco mais de 450
euros, que tem que servir para a luz, água, gás, empréstimo da casa e, caso a
má sorte bata à porta, da farmácia, sem falar do sagrado direito das pessoas ao
pão, à educação, resumindo, à sobrevivência mínima. Não sabemos se o Martim
proferiu esta frase, contendo em si uma propaganda ideológica, de melhor a
trabalhar e receber pouco do que não receber nada e não ter trabalho. Nada,
pelo menos eu não sei, nos garante que o Martim seja mais uma das pipocas que
andam a pulular por este enorme tacho a ferver em pouco óleo, que apregoam o
sujeitar a tudo e a redução da pessoa a mero produto (é só ver, no youtube, a
declaração do abominável homem das pipocas no mesmo programa onde esteve o
Martim).
Aquilo que eu sei, é que estamos
a viver tempos de propaganda falaciosa. Tempos em que anúncios de produtos são
trocados por currículos de pessoas, tempos em que salário mínimo é um abençoado
euromilhões, tempos em que mais vale uma migalha de pão do que um estômago
cheio de nada. Tempos em que dignidade é vendida em troco de lucros obscenos e
temos de aguentar, porque os sem-abrigos aguentam… Tudo isto, porque vivemos o
resultado de políticas dispendiosas, de um Estado Social que não tem dinheiro para
assegurar direitos (que os próprios trabalhadores tiveram que pagar, com os
seus impostos, para obter segurança em más marés) e, principalmente, de
andarmos a viver acima das nossas possibilidades, pelo menos é o que nos tentam
vender. Por isso, cabe a estas almas a propagação desta ideia: em tempos de
vacas magras, o leite tem que ser em reduzida quantidade de pó. Ou isto, ou
nada.
É este o lado negro da frase do
Martim. Tudo o resto, o seu louvável empreendedorismo, a sua luta e garra para
se afirmar, a sua possível tentativa de não exploração do outros, cai em terra
com uma pequeníssima frase que, pasme-se, foi louvada por uma grande maioria
que o glorificou como o jovem David que conseguiu calar a doutorada Golias. E
só serviu para camuflar a verdadeira dinâmica desta crise, que desde já afirmo
ser a matéria do meu próximo post, de ética, de solidariedade e de interajuda
de e para todos. Infelizmente, só posso concluir que estamos, lentamente, a ser
ensinados a interiorizar a melhor forma de fazer pipocas…